“Visto que não tenho contrato a prazo com a minha vida, afrouxo o freio
quando chego numa descida mais perigosa. A vida do homem é uma estrada com
subidas e descidas. Todas as pessoas sensatas avançam com um freio. Mas eu – é
aqui que está o meu valor, patrão -, faz um bocado de tempo que eu joguei fora
o meu freio, porque as carambolices não me metem medo”
Excerto de Zorba o
Grego de Nikos Kazantzakis

O livro que hoje aqui me trás é Zorba, o Grego de Nikos Kazantzakis Falando da moralidade em estado
puro, Zorba personifica o Homem angustiado com a vida, mas demasiado ocupado a
vivê-la para se deixar abater por medos ou dúvidas.
Há uma passagem que ilustra bem esta ideia: “Porque se ri, amigo? Mas como
explicar-lhes? Eu rio bruscamente, no momento em que estendo a mão para ver se
o fio de ferro é bom, penso em o que é o homem, porque veio à terra a para que
serve… Para nada, acho eu. Tudo é a mesma coisa: se tenho ou não uma mulher, se
sou honesto ou desonesto, se sou paxá ou carregador. Há somente uma diferença:
se estou vivo ou estou morto.”
Pareceram-me estranhas estas palavras, diferentes da minha
escala de tonalidades em que, por preconceito, classifico o bom e o mau. Zorba
é (é-o, no presente, porque o relato da sua história, do seu pensamento,
tornou-o num ícone da sociedade grega e da humanidade) um homem que sofreu, que
foi feliz mas que, de alguma forma, conseguiu retirar importância de todas as
experiências que viveu. Reconhece-lhes o papel formador da sua personalidade,
da sua história de vida, no entanto, ao contrário de Epícuro e seus discípulos,
Zorba não abdica do prazer e do sofrimento como experiências fundamentais da
humanidade. Não pensado a morte com a luz de um sentimento saudosista, de perda
absoluta, Zorba sabe que estar vivo é uma oportunidade e vive a vida como o
momento o exige e como a sua consciência ordena.
É esta forma de ver a vida que impede Zorba de se
arrepender. Os remorsos existem, pois em vários momentos da narrativa sente-se
triste pelo que fez, no entanto os acontecimentos que representam um peso na
sua história de vida são inseridos em determinados estados de espírito e assim
justificados por ele, sem que percam importância na construção do seu carácter,
mas também, sem que representem um peso demolidor, incapacitante da
continuidade da sua vida.
Exactamente porque a vida é uma oportunidade, a morte
representa o seu fim e é tão natural como qualquer outro fenómeno neste
planeta. Nascimento e morte são apenas dois pontos, nem mais nem menos do que
isso. São importantes? Talvez!, mas apenas para nós próprios e para aqueles que
amamos. No entanto, esta tomada de consciência da vulgaridade da morte não é,
em momento algum, um salvo-conduto para a indiferença para com o outro ou para
a maldade contra si próprio ou contra outrem. O próprio Zorba vive de acordo
com a sua consciência, de acordo com o seu conjunto de valores que, acima de
tudo, decretam que não deverá prejudicar os outros.
Numa outra interpretação do velho adágio de que a nossa
liberdade termina onde começa a dos outros, Zorba é proactivo na protecção dos
“temporariamente menos afortunados”.
Não conseguindo ser feliz sozinha, a personagem esforça-se por alegrar os
outros, muitas vezes com prejuízo da sua própria liberdade, haja visto o
inesperado casamento com a sua Bubulina. Zorba é um indivíduo, reconhece que
não depende dos outros para se manter vivo, mas não consegue ser completo sem o
Patrão – alter ego do autor – ou
convivendo com a infelicidade alheia.
Zorba é simples, é primitivo (no bom sentido, aquele que
caracteriza quem é alheio à razão e à sua habitual companheira, a angústia
depressiva), é o Ser Humano em estado puro. Perto do animal, sem segundas
intenções, puro e sábio. Zorba não nega que por vezes é maldoso, que erra, que
já agiu em proveito próprio em detrimento do dos outros, mas aceita que a
pessoa que é agora, é a pessoa que aprendeu com os seus erros, é a pessoa que
se sente melhor do que o seu Eu anterior, mas nunca melhor do que qualquer
outro Ser Humano.
Insisto ainda no primitivo, porque tento justificar-me. Este
é o adjectivo que caracteriza o indivíduo que não cede às convenções sociais e
à lógica aprendida. Pensa por si e expressa o que pensa sem medo de críticas.
Respeitando a liberdade dos outros, é absolutamente fiel ao seu livre arbítrio.
Zorba é o seu expoente máximo.
A dança é, assim, a expressão deste pensamento. Se está
triste, Zorba dança. Se está feliz, Zorba dança. Se não se consegue expressar
por palavras, Zorba dança. Pela expressão não-verbal, pelo movimento do corpo
como um todo, Zorba comunica. Sem subterfúgios, sem correntes, sem
ressentimento, Zorba utiliza o tipo de comunicação mais primitivo (novamente
este adjectivo tão complexo): o não-verbal. É esta a verdadeira comunicação, só
pode sê-lo. Haverá qualquer língua que seja compreendida por todos os seres
humanos, como o é a comunicação não-verbal? Não me refiro apenas à língua gestual
(até certo ponto, muito intuitiva, mas nem sempre de fácil compreensão e
expressão), mas ao movimento rítmico, ao movimento inspirado e poético. Falo da
utilização das expressões faciais, dos pés, das mãos, do toque, de tudo aquilo
de que somos dotados, antes mesmo de aprendermos a primeira palavra. O Homem
assim expressa-se pelo que é, e compreende utilizando todos os seus sentidos.
[1]
Reconheço a existência do acordo ortográfico, mas concedo-me a utilizá-lo
quando também for ractificado pelos outros países lusófonos.
Talvez o destino de todos nós, nos surpreenda, (se bem que não sei se existe destino ,) mas sei que esse foi um post dos mais bem escritos que já li...sobre a vida, feito sob a comparação de Zorba. Zorba e eu... ou eu e Zorba...Adorei...Luiza !!!! Se pudesse levaria comigo...Mas é teu!!!
ResponderEliminarLindo...Lindo!!!
Beijos desta admiradora!
Lisa Loura