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domingo, 10 de março de 2013

A Natureza do Ser Humano - Nascida ou aprendida?


 “(…) a incredulidade. Assim se defendia o ser humano contra tudo aquilo que mostrava as indescritíveis crueldades a que podia chegar incitado pela ganância e pelos seus maus instintos num mundo sem lei.”
Mario Vargas Llosa, excerto d’O Sonho do Celta

Por vezes há estranhas conjugações de acontecimentos nas nossas vidas. Numa aula do curso de Acupuntura, discutíamos com o professor a possibilidade de os Seres Humanos nascerem intrinsecamente maus, ou bons.
Lembrando-me da minha recente leitura de O Sonho do Celta, de Vargas Llosa, obriguei-me a reflectir sobre esta interrogação. São brutais as atrocidades descritas neste romance que foram levadas a cabo por seres humanos no Congo e na Amazónia, e todas elas se repetiram e repetem em toda a história da humanidade. Há portanto, necessidade de compreender este fenómeno e de que forma se relaciona com a maldade e o respeito pelo próximo. Fiquei com a impressão, ao ler o livro de Llosa, que há um peso considerável no “sistema”, nos comportamentos preexistentes. Isto é evidente no discurso das próprias personagens, que assim justificam os seus actos, quando confrontadas com eles. No entanto, mesmo na barbaridade do colonialismo, há Seres Humanos que se mantêm imunes ao contágio do ambiente tóxico e perverso que os rodeia. Ora, esta disparidade do efeito do meio na personalidade do indivíduo faz-nos crer que não são o sistema ou o meio os principais responsáveis pelos nossos actos, embora teimemos em desresponsabilizar-nos com desculpa titubeantes como “sempre foi assim”.
Independentemente do indivíduo nascer “mau” ou fazer-se “mau”, a maldade é determinada pela falta de empatia pelo próximo e pelo desrespeito das mais elementares normas de conduta social (que se fundam no respeito pelo próximo). Correndo o risco de avançar com um julgamento simplista, poder-se-ia dizer que um Ser Humano maltrata outro por não ser capaz de se identificar com ele (esta justificação é transversal a toda a condição de escravatura de um Ser Humano – o escravo é visto como Ser Humano Inferior), por prazer, por aprendizagem (filhos de pais que perpetram violência doméstica tem uma probabilidade significativa de repetir o padrão comportamental do pai ou mãe), ou por vingança. Ora, onde se enquadra o livre arbítrio?
Continuando esta reflexão e antes de tentar responder a esta questão, não poderia deixar de ser abordado o papel da educação nos primeiros anos de vida de um indivíduo. Os três primeiros anos de vida são primordiais na definição das principais linhas da personalidade de um Ser Humano. A relação da criança com as figuras parentais e, mais tarde, com o grupo familiar alargado e os primeiros amigos influenciará indelevelmente o padrão de comportamento do adulto. Mas há uma ressalva que deve ser feita, este processo não tem um produto final, independentemente da importância destes primeiros anos de vida, o indivíduo está condenado a uma perpétua mudança de mentalidade e comportamento que definirão a sua identidade ao longo da vida.
Suponhamos que uma criança nasce “boa”, que no seu genoma carrega a herança do respeito e da empatia. Como será a sua evolução quando confrontada com um ambiente tóxico?
Dickens é eloquente na demonstração do seu raciocínio sobre cidades tóxicas que criam cidadãos perversos. Em Dombey and Son, o autor escreve que a contaminação moral associada à contaminação industrial (sentido não só literal, mas também associado aos valores da Revolução Industrial) pervertem a criança e criam “infância sem inocência, juventude sem modéstia, maturidade que é apenas madura na culpa e no sofrimento”. Com estas palavras, Dickens assume a atitude fatalista de que o meio influencia irremediavelmente a identidade do indivíduo. Ora, isto poderia levar-nos ao extremo de acreditar que filho de ladrão, ladrão será, sem excepções.
Pois eu ponho seriamente em dúvida este determinismo associado ao berço. É aqui que entra o livre arbítrio. Dotado de intuição e raciocínio, o Ser Humano toma decisões. Apesar do conjunto de valores que carrega consigo desde a infância, e também por causa dele, o Ser Humano poderá sempre analisar opções antes de tomar decisão e, mais tarde, reflectir sobre a consequência dos seus actos. O Ser Humano, teoricamente, pode tender para a melhoria constante, desde que assim o deseje, desde que decida fazer melhor a cada dia, respeitar o próximo a cada dia.
Porém, não é possível esquecer que o genocídio, a escravatura, a discriminação, o crime e outras perversões afins existem. Há Seres Humanos que as defendem e praticam. Porquê? Nasceram maus ou escolheram agir assim? Se é escolha, quando se começou a tomar decisões com estas consequências nefastas? E porquê?
Não querendo cometer a ousadia de responder a esta pergunta, parece-me óbvio que cada Ser Humano agirá de forma única perante circunstâncias semelhantes e que em situações limite, tais como a subsistência em condições infra-humanas determinarão o desenvolvimento de comportamentos geralmente tidos como “inadequados”.
Independentemente da resposta a estas perguntas, o Ser Humano criou o Mundo onde coexistem a virtude e a maldade nefasta, a fraternidade e o ódio, o que significa que “ambos os lados da força” fazem parte de cada um de nós, ou pelo menos da humanidade como um todo. Além disto, o mundo social e moral de que tão criticamente se fala não deixa de ser uma criação humana. É criado por nós, transformado por nós e, por isso, assemelha-se a nós.