Por trás da paisagem, há sempre muito, muito mais

quarta-feira, 18 de março de 2009

A sexualidade no hospital

É estranho. Para que eu possa escrever pensamentos nestas páginas necessito, de alguma forma, de colocar as minhas ideias em ordem - e isso é coisa que ainda tenho dificuldade em fazer.
Vejamos um primeiro assunto: a sexualidade.
Nesta terça-feira, eu e o meu grupo de trabalho apresentámos um trabalho sobre este tema. Um exercício que me, se permitem a palavra, iuminou. Tentando que o trabalho se adequasse realmente aos nossos colegas, estudantes de enfermagem, decidimos abordar o tema "Hospital e Sexualidade", um tema complicado.
Comecei por consultar um livro da enfermeira Cristhine Mercadier, sobre as emoções do prestador de cuidados e aqui encontrei muita informação. Desde os cuidados com o corpo vivo até aos cuidados post mortem. Mas o que mais me impressionou nesta obra foi a descrição que a autora faz das atitude que os enfermeiros adoptam perante a sua condição sexuada e a do cliente. Todos nós sabemos que temos um corpo e, bem ou mal, lidamos com ele, é o nosso corpo que expressa as nossas emoções - como diz Jean Watson - nós somos um corpo. Ora, nada mais lógico que a pessoa que está deitada na cama também o seja e viva, ela própria, os seus complexos e os sesus orgulhos. Segundo Mercadier, na edição portuguesa de 2004 da sua obra, os enfermeiros tendem a agir de duas formas absolutamente diferentes: Reprimir a existência de sexualidade, não se fala, nem se comenta; ou então, viver a sexualidade de forma regenardora.
Mas que estou eu a fazer? como posso falar de um conceito sem o definir antes? Segundo a OMS, a sexualidade é qualquer coisa como a energia que nos motiva a procurar amor, ternura, contacto e faz parte do nosso comportamento, faz parte de nós. Lendo esta definição, fica-nos claro que a sexualidade é qualquer coisa que faz parte de nós, desde o nascimento até ao último suspiro, quer estejamos no auge da saúde, ou num estado terminal, quer estajeamos em casa com o nosso companheiro, quer estejamos no hospital a cuidar do nosso cliente.
Além disso, o hospital é um lugar de doença, mesmo de morte. Pergunto-me: No hospital haverá sexualidade? Pois bem, parece-me que sim e para dizê-lo com esta certeza, volto a recorrer a Mercadier. Esta enfermeira acredita que há semelhanças entre a morte e a sexualidade (não que as possamos distinguir desta forma, afinal ambas fazem parte da vida, qualquer delas faz parte de quem somos, mas podemos pensar nelas como conceitos separados que encontram algumas semelhanças). Tanto a morte como a sexualidade são tabu na nossa sociedade, não falamos de nenhum destes assuntos com qualquer pessoa, escolhemos uma única pessoa e com ela partilhamos as nossas mais íntimas vontades, desejos e medos. Para além disso, se pensarmos no corpo em pleno vigor sexual, encontramos algumas semelhanças com o corpo que se aproxima do fim do grande ciclo de vida - gosto sempre desta expressão. Na morte há, muitas vezes, transpiração, olhares transtornados, respiração ofegante, entrega total e não há também estas reacções no vigor sexual, no acto sexual? Não quero aqui dizer que morrer é a mesma coisa que ter uma noite ABSOLUTAMENTE espectacular com outra pessoa, mas todos nós já lemos a expressão, num ou noutro livro, de "amá-la é morrer mil vezes". Não será isto uma simples aceitação de que amar, viver intensamente a nossa vida sexual é viver no limite? e viver no limite não é aceitar que a morte está a um fio - muito fino - de distância?
Mas voltemos à questão debatida! Haverá sexualidade no hospital? Pois bem, eu digo: claro que sim e penso que tudo o que aqui já falei fundamenta esta tão ousada afirmação.
Resta-me colocar mais algumas questões. Pergunto-me, será que um olhar clínico, profissional, de enfermagem, pode coexistir com um olhar estético? Podemos considerar atraente o nosso cliente? Não quero responder já esta pergunta, não hoje. Quero antes rodeá-la. Eu sei que o corpo doente não deixa de ser sexual, já o disse aqui. Sei também que, em elgum lugar da minha consciência eu sei disso, porque, senão, não teria todos os cuidados em proteger a privacidade de quem eu cuido, em entender em absoluto o artigo do Código Deontológico do Enfermeiro que salvaguarda esta situação e sei também da minha experiência. Mas disso faarei mais tarde.
Despeço-me aqui, com a promessa de voltar a escrever em breve.

O início.

Antes de escrever porque escrevo, quero dizer quem sou. O meu nome é Luiza e, desde a última vez que verifiquei, tenho 20 anos. Estou no terceiro ano de enfermagem numa escola pública de Lisboa e, de entre outras coisas, é disto que quero falar. Quero falar destes três anos, das minhas experiências, das pessoas que conheci e de tudo aquilo que ainda vou experimentar.
É por istoq ue escrevo, para pensar, colocar as ideias em ordem e para partilhar com alguns incautos que por aqui passem muitas das minha preocupações.